A crise sismo-vulcânica nas ilhas de São Jorge no Arquipélago dos Açores e o seu acompanhamento pela equipa do ICT
CRISE SISMO-VULCÂNICA NA ILHA DE
SÂO JORGE NO ARQUIPELAGO DOS AÇORES
Mourad Bezzeghoud Coordenador do Grupo
Dinâmica da Litosfera
Com a colaboração de: José F. Borges, Rui Oliveira, João Fontiela, Ines Hamak Departamento de Física, Instituto de Ciências da Terra da Universidade de Évora Março de 2022
No dia 20 de março de 2022, o
site do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) reporta 170 sismos com magnitude ≥ 2 até às 17h30. Muito mais
sismos ocorreram abaixo deste valor. No dia 23 já foram registados mais de 2000
sismos, todos de fraca magnitude.
A história do arquipélago dos
Açores, desde a descoberta e colonização na primeira metade do século XV até
agora, é marcada pelos impactes sociais e económicos produzidos pelos sismos,
principalmente os de forte intensidade/magnitude. A informação compilada
leva-nos a concluir que neste período 33 sismos afetaram as ilhas dos Açores
com uma intensidade igual ou superior a VII, causando cerca de 6.300 mortos e
destruição generalizada em algumas ilhas do Arquipélago, principalmente em S.
Miguel, Terceira, Graciosa, Faial, S. Jorge e Pico. A acomodação dos movimentos
diferenciais que ocorrem devido à fronteira entre as placas Eurasiática,
Africana (Nubia) e Norte Americana e também o vulcanismo que ocorre na região,
são os principais responsáveis pela intensa atividade sísmica que ocorre neste
arquipélago. Já foram publicados pela equipa do ICTUÉ vários estudos que
verificam as questões científicas dos sismos conhecidos, particularmente os que
interferiram severamente na vida do povo açoriano ao longo da sua história, os
quais denominamos de grandes sismos (ver Figs. 1 e 2, Tabela 1).
Fig. 1: Painel superior – Sismicidade (M> 4,0) ao longo da parte ocidental do limite da placa Eurásia-África de 1926 a 2017 (de arquivos de dados NEIC). Os dados batimétricos são da Grade GEBCO_2014. NA=placa norte-americana, EA=placa eurasiana, AF=placa africana; o retângulo preto corresponde à área da região dos Açores mostrada no painel inferior. Painel inferior – Sismicidade instrumental (M>3,5) para a região dos Açores de 1926 a 2017 e principais acidentes tectónicos. Os números entre parênteses correspondem aos 7 sismos que representam 84,1% do momento sísmico total divulgado nesta área durante o período instrumental (1926 – 2017): Os nomes das ilhas são Co= Corvo; Fl= Flores; Fa= Faial; Pc= Pico; Gr= Graciosa; Te= Terceira; Smi= S-Miguel: SMa= Sta. Maria. MAR= Dorsal Meso-Atlântica; TR= Serra da Terceira; NAF=Zona de Fratura dos Açores Norte; FF= Fratura Faial; AF= Fratura dos Açores; PAF= Fratura da Princesa Alice; WAF=Fratura dos Açores Ocidentais; EAF=Fratura dos Açores Orientais; GF= Falha Glória; AP= Planalto dos Açores (Caldeira et al., 2017).
Tabela 1: Sismos Históricos nos Açores com Intensidade ≥VIII (Fontiela et al., 2017).
O último fenómeno de relevo que
ocorreu na ilha de São Jorge foi a erupção submarina de 1964: “No dia 21 de
Agosto de 1963, pequenos sismos foram sentidos nas ilhas do Faial, Pico e S.
Jorge. Um deles, com epicentro no canal de S. Jorge, provocou ligeiros danos na
povoação de Cais do Pico, tendo atingido intensidade máxima de 5-6 da escala de
Mercalli e um raio de percetibilidade de 100 km. A partir de 13 de dezembro do
mesmo ano, os sismógrafos do observatório de Horta marcaram um tremor de terra
vulcânico, contínuo, que se prolongou até janeiro de 1964, sendo relacionado
inicialmente com a atividade do vulcão dos Capelinhos. Em 29 de Janeiro e 1 de fevereiro
de 1964, dois cabos submarinos foram cortados, por tração, no canal de S.
Jorge. Em 14 de Fevereiro foram sentidos alguns tremores vulcânicos, mas a
crise sísmica começou só no dia seguinte (15 de fevereiro) às 7 h da manhã.
Sentiram-se nesse dia, até à meia-noite, 179 abalos e 125 no dia seguinte. A
partir de então a frequência começou a diminuir (Gráfico 1). Nos três primeiros
dias, os epicentros situaram-se na parte média da ilha de S. Jorge, nas
proximidades dos pontos das erupções vulcânicas históricas (Urzelina e
Manadas). Assim, no início, o epicentro localizava-se nas proximidades do
Cabeço ou pico de Maria Pires, entre Urzelina e Toledo, mudando mais tarde para
a área do pico da Esperança e fazendo-se sentir, depois, em diversos pontos ao
longo da fratura que existe entre
aqueles dois picos. Os abalos atingiram o grau 6 da escala de Mercalli
modificada, provocando pânico e fuga das populações em direção da vila das
Velas. Os sismos afetaram as áreas de Urzelina, Manadas, Santo António e Norte
Grande (Gráfico 2), aumentando de intensidade até o dia 18. Em 18 de Fevereiro,
os epicentros emigraram para NW em direção da costa dos Rosais. Os abalos
sentiram-se com maior intensidade nas áreas de Rosais, Beira, Velas, Santo
Amaro, Manadas, Santo António e Norte Grande. Alguns atingiram o grau 8 na vila
das Velas e na freguesia dos Rosais, onde a quase totalidade das casas ficou
destruída ou tornada inabitável. Estes sismos devem ter coincidido com o
epicentro local. Depois do dia 18, um epicentro de fraca intensidade (grau 1-2)
subsistiu no interior da ilha. A maioria dos abalos não foi sentida em Calheta
e ainda menos no Topo (registo dos sismos). (…) de grandes reparações foi
superior a 250. Finalmente, o número de habitações danificadas excedeu 900.
O tremor de terra vulcânico, bem
como os cheiros sulfurosos e sulfídricos notados nos dias 18, 19 e 20 na vila
das Velas e, mais tarde, em Rosais, Beira, Santo Amaro e Norte Grande,
transportados por ventos do SW, permitem pensar na existência de atividade
vulcânica submarina que o estado do mar não deixou observar. No entanto, a
tripulação de um barco que atravessou o canal de S. Jorge no meio de grande
tempestade observou a presença de uma grande mancha esbranquiçada na superfície
do mar, o que pode indicar, possivelmente, o local de uma pequena erupção
submarina (Zbyzweski et al., 1977).
Fig. 2: Mapa de Intensidade Máxima Observada para o Arquipélago dos Açores (Portugal) de 1522 a 2012 para os grupos (a) leste e (b) central. As ilhas dos grupos ocidentais não estão representadas, devido ao baixo nível de sismicidade (Fontiela et al., 2017).
A equipa da Universidade de
Évora*, que já está nos Açores irá instalar 6 estações sísmicas de banda larga
e um acelerómetro: uma no Pedro Miguel (Faial), 2 na Ribeirinha (Pico), 3 em S.
Roque ou/e Bandeiras (S. Jorge). O acelerómetro será instalado, em S. Jorge, na
zona onde foram registados eventos de maior magnitude. Esta rede será
essencialmente para completar a monitorização em curso feita pela rede sísmica
do IPMA, mas também será orientada no sentido de estudar e compreender melhor
os processos de rotura das fontes sismo-vulcânicas que estão na origem desta
crise sísmica.
*A equipa é composta pelo Prof.
José F. Borges, os Investigadores Rui Oliveira e João Fontiela (Depto. De
Física , ICTUÉ), assim com a doutoranda, Ines Hamak, do programa de doutoral em
Ciências da Terra e do Espaço.
Nota: Que tipo de sismos existem?
Os sismos têm várias origens e são
classificados segundo a sua natureza. São conhecidos sismos com causas
naturais, como os tectónicos, os vulcânicos ou os provocados por derrocadas
artificiais e os artificiais, provocados pela intervenção humana, como
explosões nucleares ou químicas, mineração, enchimento de barragem, etc. Os
sismos tectónicos, os mais comuns, são bem explicados pela tectónica das
placas. Os sismos vulcânicos, que acompanham as erupções, servem para a
previsão destas. Exceto os provocados por explosões nucleares, os sismos
artificiais são em geral de fraca magnitude (ver tabela infra, Bezzeghoud et
al., 2005).
Conforme a tabela 2, a crise
sismo-vulcânica na ilha de São Jorge no arquipélago dos Açores deve ser
classificada nos Sismos naturais vulcânicos devidos a uma desgaseificação e
oscilação própria do reservatório.
Referências
Caldeira ; J. Fontiela; J. F.
Borges; M. Bezzeghoud, 2017. “Large
earthquakes in the Azores”. Física de la Tierra 29: 29-45.
http://doi.org/10.5209/fite.57601
Zbyzwesky et al (1977). Os sismos
de 1964 na ilha de jorge (açores) registo diário. Ciências da Terra, 3, 33-59
Fontiela, J.; Bezzeghoud, M.;
Rosset, P.; Rodrigues, F.C.. 2017.
“Maximum observed intensity map for the Azores archipelago (Portugal) from 1522
to 2012 Seismic Catalog”. Seismological Research Letters 88 (4):
1178-1184. http://dx.doi.org/10.1785/0220160159
Bezzeghoud M., Borges J. F.,
Caldeira B. e A. Araujo, 2005. Riscos Sísmicos e Vulcânicos. In Riscos Naturais
e Tecnológicos e sua Prevenção. Ed. Bezzeghoud M. A. M. Silva, R. Dias e J.
Mirão, CGE, University of Évora. 2.1•2.36, 36
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