Uma ferramenta digital em Ciência
REVISTA DE CIÊNCIA ELEMENTAR, V7n02
Helder I. Chaminé, Liliana Freitas, Maria José Afonso LABCARGA/ DEG/ Instituto Superior de Engenharia do Porto, P.Porto
A ferramenta digital ‘Story Maps’ desenvolvida pelo Environmental Systems Research
Institute (ESRI) é uma aplicação da internet, gratuita, baseada em mapas e outros conteúdos multimédia. Esta pode ser utilizada em Ciências, Engenharia, Ambiente, Economia, Humanidades, Artes, entre outras. É, de facto, uma efetiva ferramenta digital multidisciplinar e transdisciplinar para apoiar uma rigorosa narrativa científica apoiada em
cartografia, Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e técnicas de geovisualização.
Nesta breve nota apresentam-se os principais traços desta poderosa ferramenta virtual
e das suas reais potencialidades no ensino das Geociências nos vários ciclos de estudos (básico, secundário e superior). Além disso, esta ferramenta tem uma componente
de interatividade, conectividade, flexibilidade e complexidade que poderá ser ajustada em função da narrativa científica que o utilizador pretende alcançar. A ferramenta
‘Story Maps’ pode ser utilizada em sala de aula e/ou no campo, apoiada por dispositivos
multimédia tipo smartphone, iPad ou notebook. Será esta ferramenta digital capaz de
revolucionar a forma de transmitir e comunicar Ciência?
‘Story Maps’: uma narrativa cartográfica
Desde sempre o Homem teve necessidade de comunicar com o seu semelhante. Esta
comunicação tomou diversas formas do ponto de vista antropológico, desde a expressão
mística, religiosa e artística até à utilitária do quotidiano. Para o efeito, criou e desenvolveu várias estratégias, como por exemplo, o recurso a sons, que mais tarde veio dar
origem às diversas linguagens faladas e à linguagem gráfica. Estão reconhecidas representações de animais, em pontos afastados e recônditos de algumas cavernas, lapas
ou até mesmo em nichos, que seriam áreas de caça pelo Homem pré-histórico. Talvez
muitas dessas representações em rocha (petróglifos) sejam o início de uma “Cartografia” ou representação das áreas geográficas ou elementos notáveis do terreno onde existiam
animais para caça, pontos de água potável, cursos de água, vegetação, ou mesmo o tipo
de paisagem geológica.
A antropologia assinala que muitos dos povos atuais (e.g., aborígenes da Papua-Nova
Guiné, habitantes das Ilhas Marshall, esquimós) demonstram uma capacidade e habilidade para traçar e desenhar “mapas”. Esses povos, quando questionados sobre a localização
de áreas por eles conhecidas, têm a habilidade de desenhar no solo com um ramo ou uma
pedra, um esquema do caminho. Podem enriquecer esse traçado com folhas, pedaços de
paus e/ou pedras, conchas, ossos, dando-lhe assim uma maior quantidade de informação
sobre pontos de referência singulares. Qualquer que seja o resultado final, resulta um verdadeiro “mapa” com escala e com um ponto de observação do terreno visto de cima. Logo,
a aptidão para elaborar “mapas” é, de certa forma, inata à espécie Humana.
Há registos de várias civilizações, desde a Antiguidade Clássica com a forte influência dos
Gregos, Fenícios e Romanos até aos povos da bacia mediterrânica (incluindo Babilónia, Egito),
Ásia (China) e América (Aztecas e Índios Norte-Americanos), nas quais se vislumbra o desenvolvimento da cartografia e utilização de mapas para múltiplos fins. No presente, com a implementação de novas tecnologias computacionais e diversas plataformas digitais, os SIG e as
técnicas de geovisualização conquistaram, em particular, um importante papel na sociedade.
Nos últimos anos emergiu uma interessante abordagem na comunicação científica com
recurso à fusão de imagens (fotografias, vídeos, etc.) e escrita. Ambas encerram processos
similares que beneficiam igualmente do rigor, da clareza e da assertividade. À semelhança
da escrita, esta abordagem é mais convincente com uma narrativa forte. Este princípio
também se aplica ao acompanhamento de figuras com legendas concisas. As estórias
têm, em regra, a capacidade de encantar, de surpreender, de estimular a criatividade e a
comunicação. De facto, estas estabelecem significativas conexões entre dados, análise e
ideias. Logo, há um entrelaçar do processo narrativo baseado em imagens (especialmente,
mapas) e uma escrita rigorosa e assertiva.
‘Story Maps’ é uma ferramenta digital de geovisualização, com interface amigável, na
qual o utilizador (docente, aluno, ou público em geral) beneficia do acesso a dados do
mundo real e a modelos interativos. É, por isso, uma ferramenta chave de aprendizagem
baseada em conteúdos digitais. Por outro lado, a forma sintética de apresentação é particularmente atraente e eficaz para comunicar e visualizar ideias e/ou grandes quantidades
de informação organizada, sendo direcionada para o público em geral ou, em contexto de
sala de aula, para alunos de diferentes ciclos de estudos.
A ESRI, através da sua plataforma interativa ArcGIS Online e da App ESRI Story Maps
possibilitou a todos os utilizadores de SIG a criação, o desenvolvimento e a publicação, numa
interface muito amigável, da aplicação “Story Maps”. Esta não é mais do que uma narrativa
cartográfica, apoiada por técnicas de geovisualização, vocacionada para múltiplos propósitos, sejam ambientais, geológicos, biológicos, químicos, hidrológicos, históricos, artísticos
ou outros. De destacar três extraordinárias aulas com recurso a esta ferramenta digital,
“Motion of Tectonic Plates”, “Welcome to Anthropocene” e “Water and Climate Resilience”.
Pode-se ainda aceder a outras cativantes publicações e ao tutorial no “Story Map Journal”
da ESRI.
Exemplo de aplicação: “Um percurso pela hidrogeologia urbana de Viana do Castelo:
cidades inteligentes, sustentabilidade e água subterrânea”
O impacto do desenvolvimento urbano nas águas subterrâneas é internacionalmente reconhecido desde os inícios do séc. XX. Contudo, foi apenas em meados desse século que a
hidrogeologia urbana se tornou um domínio científico. Em Portugal, os primeiros estudos
científicos de hidrogeologia urbana foram publicados no virar do séc. XX na área metropolitana do Porto. Em áreas urbanas, paralelamente aos estudos geológicos e geomorfológicos e à cartografia hidrogeológica, os inventários hidro-históricos, hidrotoponímicos,
hidrogeológicos e hidrogeoambientais constituem uma ferramenta básica que fornece
excelentes resultados na caracterização e avaliação dos recursos hídricos subterrâneos.
FIGURA 1. Exemplo da construção do ‘Story Maps’: Um percurso pela hidrogeologia urbana de Viana do Castelo, durante os
Workshops integrados no I Encontro Temático da Casa das Ciências (Água) realizado em Viana do Castelo, em abril de 2019.
Neste âmbito, foi desenvolvida uma atividade mista (campo e sala de aula) de construção
e desenvolvimento de uma narrativa cartográfica em hidrogeologia urbana usando a ferramenta digital “Story Maps”. No centro histórico de Viana do Castelo existe um conjunto de
fontanários, chafarizes e lavadouros, alguns dos quais abastecidos por águas subterrâneas.
Assim, foi realizado um percurso pedestre, onde se recolheram informações geológico-geomorfológicas, hidrogeológicas, hidrogeoquímicas, hidrotoponímicas e geoambientais, assim
como se localizaram e georreferenciaram os pontos de água da cidade de Viana do Castelo.
A ferramenta digital permitiu combinar mapas com uma narrativa científica, imagens e
conteúdos multimédia com informação científica vária. Esta facilita, assim, o aproveitamento da capacidade dos mapas para contar a história de uma dada área urbana, na lógica do
paradigma das cidades inteligentes e das geociências em meios urbanos (FIGURA 1).
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