Da margem Portuguesa no tempo da Tectónica de Placas
REVISTA DE CIÊNCIA ELEMENTAR, V7n02
João C. Duarte IDL/ Universidade de Lisboa
A tectónica de placas é a teoria unificadora das ciências da Terra sólida. Assim como a
mecânica do Newton e a evolução do Darwin formam as bases da física e da biologia, a
tectónica de placas é uma estrutura conceptual sobre a qual se desenvolvem as diversas disciplinas da geologia. Segundo a teoria da tectónica de placas, a camada externa
da Terra sólida encontra-se fragmentada em diversas placas (tectónicas) rígidas que
se deslocam umas em relação às outras. Estas placas contêm a crusta e uma parte do
manto superior. Ao conjunto destas duas camadas chama-se litosfera. As placas litosféricas movem-se sobre uma camada mais dúctil chamada astenosfera. As placas podem divergir, convergir ou mover-se lateralmente, sendo que nos limites divergentes é
criado novo material de placa e nos limites convergentes as placas são destruídas (em
zonas de subducção). É nas zonas de limites de placas que ocorrem uma grande parte
dos processos geológicos, entre os quais a maioria da atividade sísmica, de processos
vulcânicos e de processos de formação de depósitos minerais.
A teoria da tectónica de placas foi desenvolvida entre os anos 60 e 70 do século XX por
cientistas como Tuzo Wilson, Jason Morgan, Dan Mckenzie e Xavier Le Pichon. Desde o
seu início que se percebeu que algumas margens dos continentes correspondiam a zonas
de fronteira de placas, como no caso do Pacífico (onde há grandes sismos com elevada
regularidade). Estas denominam-se de margens ativas. No entanto, no caso do Oceano
Atlântico as margens dos continentes não correspondem em geral a zonas de fronteiras de
placas e são por isso denominadas de margens passivas, não revelando atividade sísmica significativa. O artigo no qual estes dois tipos de margens foram definidos foi publicado em 1969 pelo geólogo Inglês John Dewey, da Universidade de Cambridge no Reino Unido.
No entanto, precisamente nesse ano, um sismo de elevada magnitude (7.9) ocorreu ao
largo da margem Atlântica do Sudoeste da Ibéria.
O sismo de 1969 não foi o único sismo de grande magnitude a ocorrer nesta região.
Terá também sido aqui, a Sudoeste do Cabo de São Vicente, que foi gerado o Grande Sismo de Lisboa de 1755. Logo nesse ano, os “pais” da tectónica de placas perceberam que
algo de único poderia estar a ocorrer nesta zona. Os geocientistas Yoshio Fukao e Michael
Purdy, na altura jovens investigadores em Cambridge, dedicaram-se a estudar esta área
em detalhe e concluíram que neste local poderia estar a ocorrer um processo de início
de subducção. O processo estaria relacionado com a existência da zona de fronteira de
placas transformante Açores-Gibraltar, ao longo da qual a placa Africana poderia estar
a começar a mergulhar sob a placa Euroasiática, visto que neste local as placas estão a
convergir. Anos mais tarde, o Professor António Ribeiro da Universidade de Lisboa propôs
que esta zona de convergência incipiente estaria a propagar-se ao longo da margem Oeste
Portuguesa, local onde a margem passiva se estaria a transformar numa margem ativa.
FIGURA 1. Mapa tectónico da margem sudoeste Ibérica (adaptado de Duarte et al., 2013)
O processo de reativação de margens passivas tem um papel fundamental na teoria
da tectónica de placas, em particular no conceito de ciclo de Wilson, segundo o qual os
oceanos nascem, crescem e morrem. Os oceanos nascem a partir da fraturação de supercontinentes, crescem como resultado do alastramento oceânico, mas a determinado
momento a litosfera oceânica torna-se demasiado pesada e tem a propensão para afundar
no manto, gerando novas zonas de subducção que irão acabar por consumir o oceano. No
entanto, o processo de início de subducção é ainda mal compreendido. Isto porque para
que tal aconteça as placas oceânicas têm de se fraturar e estas à medida que arrefecem
tornam-se também mais densas e muito rígidas, e, portanto, difíceis de fraturar. Identificar
uma possível zona de subducção incipiente na qual o processo estaria a ocorrer neste preciso momento (geológico) ajudar-nos-ia a compreender este passo fundamental da teoria
da tectónica de placas.
Nos últimos anos, foi feito um grande esforço por parte da comunidade científica nacional e internacional no sentido de recolher dados geofísicos e de geologia marinha desta
zona. Hoje temos uma imagem muito detalhada da morfologia do fundo marinho bem como
da estrutura da crosta e das falhas aí existentes. Novos dados de tomografia revelaram
também que haverá nesta zona uma grande estrutura profunda que poderá corresponder
a um pedaço de placa que já se encontra a afundar no manto. Os novos dados são promissores e novas ideias estão a surgir. Os próximos anos serão de intenso trabalho na procura de uma melhor compreensão da zona. Tal irá certamente ajudar-nos a compreender
alguns destes processos fundamentais da teoria da tectónica de placas, bem como dos
processos sismológicos associados.
Agradecimentos
O autor agradece um contrato de Investigador FCT e o projeto exploratório associado com referência
IF/00702/2015, bem como o projeto FCT UID/GEO/50019/2013 - Instituto Dom Luiz.
Sem comentários:
Enviar um comentário