Rochas magmáticas ou ígneas
A. M. Galopim de Carvalho
Universidade de Lisboa
Os geólogos sabem que Terra se estuda nas rochas e, daí, o seu grande interesse no
estudo destas entidades naturais construtoras da capa mais externa do planeta, a que
deram o nome de litosfera (do grego lithós, pedra, rocha, e sphaira, esfera). Entendida
como o conjunto da crosta com a parte superior rígida (rochosa) do manto superior, a
litosfera resultou de um processo de diferenciação e solidificação de uma espécie de
“oceano” de magma, que se seguiu à acreção do planeta. Assim sendo, o estudo das rochas deve começar pelas magmáticas ou ígneas pois foram as primeiras a ser geradas
na Terra.
Designamo-las magmáticas porque nasceram do arrefecimento e consequente solidificação de magma. O magma é, pois, um material ígneo (do grego, igneus, incandescente,
em fogo) e assim podemos usar a expressão rocha ígnea, sinónima de rocha magmática.
Grande parte das rochas magmáticas ou ígneas como, por exemplo, o granito, o sienito, o
diorito, o gabro e muitas outras são geradas em profundidade na crosta ou no manto, e,
por tal razão, designam-se também por rochas plutónicas (Plutão, o deus das profundezas, na mitologia Romana). As rochas plutónicas também designadas por rochas intrusivas,
pois os magmas instalam-se, de modo mais ou menos forçado, em rochas mais antigas a
profundidades dentro da crosta terrestre, e que depois solidificam lentamente abaixo da
superfície, embora possam ser posteriormente expostas pela erosão (FIGURA 1). As rochas
vulcânicas ou extrusivas, como os basaltos, resultam da consolidação de magmas que
brotam à superfície (FIGURA 2). Relativamente aos granitos e às outras rochas plutónicas,
nunca ninguém viu o seu carácter magmático ou ígneo, mas tal deduz-se a partir de muitas
observações, quer no terreno quer no laboratório.
É muito frequente, entre nós e em muitos manuais de ensino, o uso da expressão rocha
eruptiva como sinónima daquelas duas. Contudo, se é correto usar indiferentemente as expressões rocha magmática e rocha ígnea, já não o é adjetivá-las todas por eruptivas,
pois este último qualificativo pressupõe a origem numa qualquer erupção vulcânica (de
Vulcano, o deus do fogo, na mitologia romana), o que nem sempre é o caso. Todas são
magmáticas ou ígneas, mas só as vulcânicas são eruptivas.
FIGURA 1. Nesta fotografia, tirada nas imediações da Capela de São Pedro do Campo, Serra de Montemuro, observam-se
diaclases no afloramento granítico, com instalação de vegetação. A servir de escala encontra-se uma mala com 20x17x18
cm. (fonte: banco de imagens da Casa das Ciências)
Sabe-se também que nunca as rochas plutónicas resultaram de qualquer atividade eruptiva. Assim, chamar eruptivas a rochas como os granitos e outras, arrefecidas e solidificadas em profundidade é abusivo e incorreto.
Só as rochas vulcânicas são, pois, passíveis de uma tal adjetivação, uma vez que, com origem no latim, eruptio, -onis, o termo erupção implica a ideia de extrusão, expulsão, saída
do interior para o exterior.
A expressão rocha eruptiva tem predominado entre nós, tanto nos textos da especialidade como nos manuais de ensino que, naturalmente, naqueles se basearam e baseiam.
Uma tal situação reflete uma época de forte influência, à escala internacional, dos autores
de língua alemã, pioneiros na petrografia, na viragem do século XIX ao XX, como W. C.
Brögger, R. Blum, C. Gagel, P. Niggli, F. Zirkel, H. Rosenbusch e A. Osann, em cujos textos a
expressão Eruptivgestein se aplica também às rochas plutónicas (não eruptivas).
No que nos diz respeito, o uso da expressão rocha eruptiva, como sinónima de rochas
magmáticas ou ígneas, reflete, sobretudo, a influência dos petrógrafos de língua francesa,
como se pode verificar nos textos de autores consagrados como A. Lacroix, J. Jung, R.
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Brousse, E. Raguin, F. Rinne, A. Michel-Lévy, F. Fouqué, entre outros, durante os últimos
anos do século XIX e da primeira metade do século XX, que, como os alemães, sempre
privilegiaram a designação eruptive.
E, como não podia deixar de ser, os petrólogos e petrógrafos portugueses não fugiram a
esta influência, numa época de francofonia dominante. Nesta reflexão deve recordar-se o
papel dos pioneiros da petrografia em Portugal, no último quartel do século XIX, Pacheco
Canto e Castro, J. Rego de Lima e V. Souza-Brandão. Os dois primeiros estudaram em Paris, com F. Fouqué (1828-1904), o vulto grande da petrografia em França. O terceiro, além
de ter estudado na École de Mines, de Paris, cursou engenharia, na Academia de Minas de
Freiberga. O mérito da obra que nos deixou escrita em língua alemã, com particular incidência nas Eruptivegestein, reforçou o peso da expressão rocha eruptiva na terminologia
usada pelos petrógrafos portugueses que se lhe seguiram.
FIGURA 2. Espessa escoada basáltica com disjunção prismática subparalela, formando um importante ressalto na
topografia e contendo uma cascata (não ativa na altura em que a foto foi obtida apesar da coloração esbranquiçada
poder sugerir o contrário). O corte dos prismas na base do ressalto e na linha de água a montante motivou a recente
designação de Calçada de Gigantes (Santa Maria, Açores). (fonte: banco de imagens da Casa das Ciências)
Há autores que, apesar de tudo, continuam a defender a manutenção da expressão
rocha eruptiva no sentido clássico, isto é, como sinónimo de rocha magmática ou rocha
ígnea. Mas, esta não é a posição atualmente mais consensual em autores de língua
inglesa, onde a dita expressão tem vindo a cair em desuso. É também esta a posição
(implícita) da Subcomissão para a “Sistemática das Rochas Ígneas” da International
Union of Geological Sciences (1989).
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